[Artigo] Relacionamento Pessoal no Ambiente de Trabalho
Fernando Borges Vieira1
Respeitadas exceções, é muito comum que o empregado (refiro-me à espécie e não ao gênero, razão pela qual de considerar-se também a empregada) dedique maior parte de sua vida às horas de trabalho, o que importa em estabelecer que – muito provavelmente – seu relacionamento pessoal com colegas supere o tempo de relacionamento com pessoas estranhas à empresa.
Desta convivência diária é possível surgir sentimento que extravase a esfera do coleguismo ou da simples amizade, nascendo um sentimento de caráter amoroso.
Duas podem ser as ações do empregado que permitiu – como se fosse possível impedir – o surgimento deste sentimento: conservá-lo consigo e não o manifestar ou noticiá-lo ao outrem.
Na hipótese de o empregado encerrar em si mesmo seu sentimento, não haverá problema no que concerne ao ambiente de trabalho. Todavia, se o empregado o manifestar a repercussão pode ser danosa, conforme passo a considerar.
Se o sentimento não for correspondido, pode ser que passe a existir certo mal-estar entre os empregados envolvidos; ainda, se houver alguma insistência ou condutas inapropriadas, poderá ser caracterizado assédio sexual.
Ocorre, se o sentimento for correspondido, estaremos diante de outro problema: pode a empresa coibir em seus regulamentos o relacionamento entre empregados?
A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região que conservou sem reforma a condenação proferida pela Justiça do Trabalho de Palhoça (SC) em favor de um empregado demitido por justa causa por manter relacionamento amoroso com uma colega de trabalho.
A Reclamada demitiu “motivadamente” um empregado que trabalhou por mais de 25 anos em seu favor, sustentando a “motivação”, no fato de que empregado foi dispensado por ter praticado falta grave ao descumprir orientação que não permitia o envolvimento, que não o de amizade, entre superiores hierárquicos e subalternos, mesmo fora das dependências profissionais.
O juízo monocrático compreendeu por inconstitucional o Código de Ética da empresa e, ao fixar a indenização no patamar de R$39.000,00 (trinta e nove mil reais), considerou que o trabalhador demitido laborou por mais e duas décadas sem ter sofrido uma sanção disciplinar sequer.
A sentença também considerou discriminatória a dispensa, pois a outra parte envolvida foi demitida imotivadamente, ao contrário do que ocorreu com o Reclamante.
Ainda, a juíza considerou tecnicamente a intensidade do sofrimento do ex-empregado, a importância do fato, a inexistência de retratação espontânea da dispensa pela (Reclamada), o longo tempo dedicado à empresa e, ainda, o fato de o trabalhador ter concordado, em juízo, com a proposta de reintegração, que não foi aceita empresa.
O Tribunal Regional do Trabalho, sem sede de Recurso Ordinário, manteve a decisão de primeiro grau, sob a tese de que a despedida por justa causa é medida extrema, prevista na CLT para as hipóteses em que a gravidade do ato faltoso tornar impossível a manutenção do contrato de trabalho, devido à quebra de confiança entre as partes envolvidas.
Considerou o Regional ser da natureza humana estabelecer relações empatias e antipatias, encontros e desencontros, amores e desamores.
Inconformada, a Reclamada interpôs Recurso e Revista, em cujo bojo defendeu a violação ao inciso V do artigo 5º da Constituição Federal e a existência de dissídio jurisprudencial, colacionando as decisões de outros Regionais.
A todos os recursos interpostos pela Reclamada negou-se provimento, mantendo-se a condenação da empresa a indenizar o trabalhador em razão dos danos morais experimentados.
Mas, enfim: pode a empresa coibir em seus regulamentos o relacionamento entre empregados? A resposta é simples: sob a ótica de nosso ordenamento jurídico não.
Importa perceber o fato de que muitas empresas multinacionais apenas traduzem o código de ética matriz e, dependendo de sua nacionalidade, é possível – à luz da legislação vigente no país de origem – que a política interna seja regulamentada no sentido de ser proibido o relacionamento entre empregados.
Em nosso país, no entanto, tal regulamentação é considerada inconstitucional, pois ingressa na vida privada das pessoas, na intimidade de cada qual, o que não é suscetível ao poder de gerência do empregador.
De outra monta, é compreensível que o empregador não queira que empregados de sua empresa mantenham relacionamento, pois pode haver – ao menos em tese – a concessão de privilégios, a desatenção com o próprio trabalho e uma séria de outras questões que podem trazer consigo o condão de interferir negativamente no ambiente de trabalho – com maior razão se o namoro for entre empregados hierarquicamente vinculados ou do mesmo setor.
A solução deste problema que nos parece igualmente simples. O empregador pode, sem causar espécie alguma de constrangimento ou detrimento aos empregados, transferir um dos trabalhadores para outro setor, evitando que durante o horário de trabalho permaneçam próximos.
Convém salientar, não pode restar caracterizada espécie alguma de discriminação ou qualquer detrimento ao empregado transferido, eis porque se aconselha que esta transferência seja realizada às claras e com a devida aquiescência, conscientizando-se os empregados envolvidos que se trata de medida preventiva e que os beneficia.
Sendo nossa particular compreensão, também é razoável que o Departamento de Recursos Humanos convoque os envolvidos e de forma hábil e respeitosa os oriente no sentido de que mantenham uma postura profissional durante o expediente.
Por fim, sinto-me obrigado a pontuar que regra alguma no mundo, seja a qualquer o tempo ou em qualquer espaço, terá o poder de sucumbir o amor entre duas pessoas. E, como o poder do empregador é limitado pela reserva e respeito à intimidade da pessoa humana, punir os namorados com a dispensa sem justa causa não nos parece ser mesmo a medida mais acertada.
1 Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221- Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados – Bacharel em Direito (FMU) – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) – Mestre em Direito (Universidade Mackenzie) – Personal, Professional e Elder Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching – Professor de Pós-Graduação Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho – Membro do Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho da Universidade Mackenzie – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP – Jabaquara – Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – Membro da Associação dos Advogados de São Paulo – Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo – Membro da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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