[Artigo] Principais Aspectos do Direito Sucessório na Comunhão Parcial de Bens e União Estável
Renata Cristina Marques Ferreira [i]
Com muita frequência clientes procuram os escritórios de advocacia com o intuito de obter esclarecimentos no tocante ao Direito de Herança. Tratarei, neste artigo, das questões mais polêmicas acerca do direito sucessório no regime da Comunhão parcial de bens e União Estável.
Vale lembrar, o fundamento do direito das sucessões decorre do vínculo familiar entre sucessores e o de cujus, determinando o artigo 1.829 do Código Civil que a sucessão legítima se dá na seguinte ordem:
I – Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Contudo, tal determinação feita pelo Código gerou polêmica e divergência entre os operadores do direito. A questão principal era saber se a concorrência entre o cônjuge casado no regime de comunhão parcial e os herdeiros de daria pela totalidade de bens deixados pelo falecido (o que chamamos de herança), apenas sobre os adquiridos a título oneroso durante a constância do casamento, excluída a meação do cônjuge sobrevivente ou apenas sobre os bens particulares do de cujus.
O enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil, entendeu que referido artigo 1.820, I, do Código Civil prevê o direito do cônjuge supérstite concorrer com os descendentes quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados no regime de comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido tivesse bens próprios, particulares, devendo os bens comuns serem partilhados apenas entre os descendentes.
O Superior Tribunal de Justiça acabou por uniformizar o entendimento sobre a concorrência sucessória no regime da comunhão parcial de bens. O entendimento da Segunda Seção – no julgamento que discutiu a interpretação do artigo em referência – é no sentido de que o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes em relação aos bens particulares.
Em relação aos bens que integram o patrimônio comum, o cônjuge sobrevivente terá direito apenas à meação. A outra metade será dividida exclusivamente entre os descendentes. Portanto, a meação pertencente ao falecido somente fará parte do monte hereditário dos descendentes.
Com efeito, o cônjuge sobrevivente será meeiro no tocante aos bens adquiridos na constância do casamento e herdeiro, concorrendo com os descendentes, apenas em relação aos bens particulares eventualmente deixados pelo falecido.
Como regra, o artigo 1.832 do Código Civil determina que ao cônjuge sobrevivente caberá quinhão igual aos que se sucederem por cabeça, ao podendo ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer.
A grande questão é: quando o cônjuge concorrer tanto com filhos comuns quanto com filhos apenas do falecido haverá a garantia mínima de 1/4 da herança?
A doutrina é bastante divergente neste sentido. Alguns doutrinadores entendem que sim, deve haver a garantia mínima de 1/4, e outros entendem em sentido contrário, pois haveria prejuízo aos descendentes apenas do autor da herança, já que ficariam afastados de uma parte do patrimônio de seu ascendente falecido.
I – aos ascendentes em concorrência com o cônjuge;
Neste caso, o cônjuge sobrevivente com os ascendentes sobre a herança deixada, incluindo-se tanto os bens particulares quantos os bens adquiridos conjuntamente – importante ressaltar que a premissa de que se houver meação não haverá sucessão só é aplicada aos casos de concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes.
Se o cônjuge sobrevivente concorrer com ambos os pais do falecido, a herança será dividida igualmente entre os três. Em outras situações, a lei garantirá metade do valor para o cônjuge sobrevivente e a outra metade será dividida entre os ascendentes.
Os direitos sucessórios dos companheiros, todavia, foram limitados aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável.
Dispõe o artigo 1.790 do Código Civil que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, nas condições seguintes:
I – Se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho.
O inciso I traz a primeira diferença com relação ao direito sucessório do cônjuge visto que este possui garantido a quarta parte na herança quando for ascendente de todos os herdeiros. Já o companheiro, receberá a mesma quota que seus descendentes.
II – Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 da herança;
O termo “outros parentes sucessíveis”, abrange também os colaterais até o quarto grau o que, segundo Silvio de Salva Venosa, “ não é uma posição que denote um alcance social, sociológico e jurídico digno de encômios.”[1]
IV – Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Segundo a Constituição Federal, impossível tratar o casamento de forma mais favorável do que a União Estável e vice-versa. A igualdade das relações familiares está fundamentada no princípio e fundamento do pluralismo e da democracia na esfera das organizações familiares e da escolha de espécie de família (art. 1º, V); princípios da igualdade material dos componentes da família (art.5º, I), e os princípios da liberdade, justiça e solidarismo nas relações familiares (art.3º, I)[2]. De fato, a nossa legislação não deveria criar discriminações e diminuir ou eliminar direitos de qualquer espécie, apenas com base no fato de seus membros integrarem entidades familiares diversas.
Evidente que à Constituição Federal os efeitos do casamento e os efeitos da União Estável não devem receber tratamento análogo já que a o próprio diploma determinou diferentes formas de formação familiar.
Todavia, o tratamento decorrente de direitos sucessórios deve ser equitativo, razão pelo qual o meu entendimento é de que o artigo 1.790 do Código Civil é inconstitucional.
O legislador misturou de forma notória os conceitos de meação e herança ao assegurar ao companheiro direito sucessório apenas em relação à metade dos bens adquiridos onerosamente na constância da União Estável, visto que a herança se constitui da meação do de cujus sobre os bens adquiridos conjuntamente durante da União Estável e mais o acervo particular, transmissões gratuitas (herança, legados).
O artigo 1.725 do Código Civil determina que deve se aplicar às relações patrimoniais na União Estável as mesmas regras aplicáveis ao regime de comunhão parcial de bens. Assim, estender ao companheiro a condição de herdeiro necessário, aplicando-se a garantia concedida ao cônjuge através da analogia, demostra o cumprimento dos fins sociais e proteção a família que devem ser observadas quando da aplicação da norma pelo julgador.
Importante ressaltar que em julho de 2017, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1332773, reformou a decisão que determinava a sucessão entre cônjuges e companheiros de acordo com as regras previstas no artigo 1790 do Código Civil, corroborando a tese já adotada do Supremo Tribunal Federal. No caso em comento, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul deferiu o pedido de habilitação de herdeiros colaterais (sobrinhos e irmãos) do falecido na sucessão decorrente de União Estável tendo em vista a ausência de herdeiros descendentes ou ascendentes.
Neste sentido:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INCONSTITUCIONALIDADE. STF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ART. 1.829 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA, PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. VEDAÇÃO AO RETROCESSO. APLICABILIDADE. 1. No sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002, conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento sob o rito da repercussão geral (Recursos Extraordinários nºs 646.721 e 878.694). 2. O tratamento diferenciado acerca da participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido conferido pelo art. 1.790 do Código Civil/2002 ofende frontalmente os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso. 3. Ausência de razoabilidade do discrímen à falta de justo motivo no plano sucessório. 4. Recurso especial provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.332.773 – MS (2012/0139674-5) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE: SÔNIA REGINA FRANCO TEODORO ADVOGADO: ADRIANA BARBOSA E OUTRO(S) – MS010687 RECORRIDO : ANTONIO PEREIRA DE BRITO – ESPÓLIO RECORRIDO: MUNICÍPIO DE RIBAS DO RIO PARDO ADVOGADO: SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M)
Por fim, o Supremo Tribunal Federal, reconheceu incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, inclusive para as relações homoafetivas no julgamento de dois recursos com repercussão Geral[3].
A tese fixada foi no sentido de que no sistema constitucional atual é inconstitucional a diferenciação no tocante aos regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado aos dois casos o regime previsto no artigo 1.829 do Código Civil, já anteriormente tratado neste artigo.
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 7ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
[2] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 57-58
[3] Recursos Extraordinários 646.721 (união estável entre homossexuais e heterossexuais) e 878.694 (equiparação entre cônjuges e companheiros).
[i] Advogada desde 2005– OAB/SP 235.138 – Bacharela em Direito (FMU) – Advogada Coordenadora
[1] Recursos Extraordinários 646.721 (união estável entre homossexuais e heterossexuais) e 878.694 (equiparação entre cônjuges e companheiros).
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