Reforma Trabalhista: A polêmica sobre o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.
Mariana Cristiane Fermino [i]
A Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, conhecida como “Reforma Trabalhista”, em vigor desde 11 de novembro de 2017, trouxe alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre outras, quanto ao fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.
Anteriormente à alteração da CLT, todos os empregados com registro em carteira eram obrigados a conceder ao sindicato representante de sua categoria profissional, o valor equivalente a um dia de trabalho, descontado em folha de pagamento no mês de abril de cada ano.
A Reforma Trabalhista alterou os artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT, para tornar a contribuição sindical facultativa, isto é, condicionada à autorização prévia do empregado, vejamos:
Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados.
Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.
Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.
Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.
Art. 583. O recolhimento da contribuição sindical referente aos empregados e trabalhadores avulsos será efetuado no mês de abril de cada ano, e o relativo aos agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais realizar-se-á no mês de fevereiro, observada a exigência de autorização prévia e expressa prevista no art. 579 desta Consolidação.
Art. 587. Os empregadores que optarem pelo recolhimento da contribuição sindical deverão fazê-lo no mês de janeiro de cada ano, ou, para os que venham a se estabelecer após o referido mês, na ocasião em que requererem às repartições o registro ou a licença para o exercício da respectiva atividade.
Art. 602. Os empregados que não estiverem trabalhando no mês destinado ao desconto da contribuição sindical e que venham a autorizar prévia e expressamente o recolhimento serão descontados no primeiro mês subsequente ao do reinício do trabalho.
Embora o fim da contribuição sindical obrigatória esteja previsto na CLT, na prática, o tema tem gerado controvérsia, e no mês de março deste ano, época em que os sindicatos recolhem as contribuições, diversos sindicatos se rebelaram contra os dispositivos legais e pleitearam judicialmente o desconto das contribuições sindicais dos trabalhadores.
Referidos sindicatos obtiveram êxito na medida em que juízes e desembargadores decidiram em favor das entidades, concedendo liminares para o recolhimento da contribuição sindical, contrariando o previsto na lei.
Vejamos algumas decisões:
Em 06 março de 2018 o juiz da 75ª Vara do Trabalho de São Paulo, em decisão liminar, nos autos do processo número 1000218-71.2018.5.02.0075 garantiu o direito ao recolhimento da contribuição sindical ao Sindicato dos Empregados em Empresas de Industrialização Alimentícia de São Paulo e Região, em total afronta aos mencionados artigos.
Argumentou que a alteração trazida pela Reforma Trabalhista é inconstitucional, e determinou o recolhimento da contribuição em favor do sindicato, relativa ao mês de março quanto aos novos empregados admitidos, independentemente de autorização prévia e expressa.
Sob fundamento idêntico, em 16 de março de 2018, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul/SP, nos autos do processo número 1000182-96.2018.5.02.0473 declarou a inconstitucionalidade da Lei 13.467/17 no que tange ao desconto da contribuição apenas aos empregados que autorizarem prévia e expressamente, e impôs a manutenção da contribuição sindical, condenando a empresa Reclamada ao recolhimento da verba ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de São Paulo, de todos os empregados no mês de março – e nos demais meses para os admitidos posteriormente – , sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) por trabalhador.
Defendeu o magistrado que a Constituição Federal da República (CF) impõe aos sindicatos o dever de representar toda a categoria – associados ou não -, e que a contribuição deve ser paga indistintamente pelos empregados, pois essa é a única forma de os objetivos impostos por ela e pela CLT serem alcançados. “Daí que, para fins da respectiva cobrança, é o interesse da categoria que deve ser levado em consideração pelo legislador ordinário, e não o interesse individual de cada um de seus integrantes, porque a contribuição sindical tem por finalidade dar condições para que os sindicatos possam atuar na defesa dos interesses daquela categoria, contribuindo para a sociedade, e no exercício de suas prerrogativas”, afirmou.
Assim, a questão está longe ser resolvida pelo Poder Judiciário e é sabido que tramitam no Superior Tribunal Federal (STF) ações diretas de inconstitucionalidade sobre o assunto, com o objetivo de invalidar a não obrigatoriedade do recolhimento da contribuição. No entanto, o STF não se pronunciou até o momento.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua vez, ainda não formou uma única tese sobre o assunto, mas o presidente do TST – João Batista Brito Pereira – suspendeu liminar que obrigava as empresas Aliança Navegação e Logística e Hamburg Süd Brasil a recolher a contribuição sindical de empregados.
As empresas alegaram que teriam prejuízos com a liminar concedida pela desembargadora Ivete Ribeiro, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT 2). A decisão beneficiava o Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Settaport). Os valores deveriam ser recolhidos sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) limitada a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por empresa.
O ministro afirmou que o cumprimento imediato da determinação do TRT cria uma “lesão de difícil reparação” por impor gasto sem que tenha sido fixada qualquer garantia caso, no fim do processo, decida-se contra a recolhimento da contribuição.
Em contrapartida, importante frisar a prudente decisão proferida em 10/04/2018, pelo juiz da 2ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos do processo 1000300-30.2018.5.02.0002, que destoando dos oponentes da alteração trazida pela Lei 13.467/17, indeferiu o pedido liminar do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Paulo, Mogi das Cruzes/SP, negando a emissão e o pagamento de guia de contribuição sindical referente a março de 2018. O sindicato pleiteava o direito à cobrança da contribuição sindical.
O juiz justificou o indeferimento sob o argumento de que “não deve o juiz singular precipitadamente sair declarando inconstitucionalidade sobre leis, em tese, ainda mais quando recheadas de polêmicas”
Nessa esteira, cabe destacar que a manutenção do sindicato não está adstrita à contribuição sindical porque existem outras contribuições, tais como confederativa, assistencial, além da mensalidade dos sócios do sindicato.
A contribuição confederativa, prevista no art. 8º, IV, da CF, tem a finalidade de custear o sistema confederativo – do qual fazem parte os sindicatos, federações e confederações, é fixada em assembleia geral e é exigível dos filiados ao respectivo sindicato.
A contribuição assistencial, prevista no art. 513, “e”, da CLT, é aprovada pela assembleia geral da categoria e fixada em convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa e é devida quando da vigência de tais normas, porque sua cobrança está relacionada com o exercício do poder de representação da entidade sindical no processo de negociação coletiva. É exigível apenas aos sindicalizados.
O sindicato ainda possui outras fontes de renda, como bens e valores adquiridos e arrecadações decorrentes destes bens, doações, legados, multas e outros faturamentos eventuais.
Não se pode atribuir à contribuição sindical a razão da existência e da manutenção dos sindicatos, eis que a Constituição Federal impõe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (art. 8º, II) e, ainda, exige a participação do sindicato nas negociações coletivas (art. 8º, VI), sendo que este dever não está condicionado ao recolhimento de contribuições sindicais.
Por fim, não é razoável admitir que os sindicatos serão enfraquecidos e deixarão de alcançar seus objetivos, fixados pela Constituição Federal, em virtude da não obrigatoriedade da contribuição sindical. A opção do trabalhador pelo não recolhimento da contribuição não pode deturpar a função social do sindicato, tampouco penalizar o obreiro com a ausência de representatividade.
[i] Advogada desde 2012– OAB/SP 320.568 – Bacharela em Direito (Universidade Estácio de Sá) – Pós-Graduada em Direito Material e Processual do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie) – Advogada Coordenadora.
10 de maio de 2018.
0 Comentários