
A abusiva majoração das mensalidades de planos de saúde coletivos
Fernando Borges Vieira[i]
Em tempos atuais, muitos consumidores permanecem sensivelmente preocupados com a majoração da mensalidade de seus respectivos planos de saúde; tanto, por vezes pensam em promover a readequação do produto contratado, migrar para uma nova operadora e, quem sabe, até mesmo lançar mão de uma assistência privada à saúde.
A escorreita compreensão do objeto tratado neste artigo exige consideremos as espécies de planos de saúde, mesmo que em breve notícia. Consideremos, pois, os planos individuais ou familiares e os planos coletivos. A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS considera plano individual ou familiar aquele contratado por pessoa física para a assistência do titular e/ou de seu grupo familiar; já o plano coletivo é contratado por uma pessoa jurídica em favor de um grupo delimitado à mesma vinculada, extensível a seu grupo familiar. Os planos de saúde coletivos ainda podem ser classificados em coletivo empresarial, destinado aos beneficiários vinculados à contratante em razão de relação empregatícia ou estatutária; ou coletivo por adesão, por meio do qual vinculam-se as pessoas jurídicas de caráter classista, profissional ou setorial.
Oportuno, neste início, esclarecer que há três razões para o reajuste das mensalidades: reajuste anual, reajuste por mudança de faixa etária e reajuste por sinistralidade.
Em relação ao reajuste anual é aplicado no mês de “aniversário” da contratação e as regras variam conforme o tipo de plano: para os planos individuais ou familiares novos (contratados a partir de janeiro de 1999) o percentual máximo de aumento é definido pela ANS; para os planos individuais ou familiares (contratados até dezembro de 1998), os reajustes seguem as regras definidas no contrato, desde que claras e específicas; e, por fim, as mensalidades dos planos coletivos empresariais ou por adesão (independentemente da data de contratação) são reajustadas conforme índices livremente estabelecidos pelas operadoras.[ii]
Já em relação ao reajuste em razão de mudança de faixa etária, tratando-se de planos antigos, as faixas hão de estar claramente previstas nos contratos. Para os planos assinados entre 1998 e dezembro de 2003 – antes de entrar em vigor o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) –, a regra criada pela ANS previa sete faixas etárias e um aumento total de até 500% entre as mesmas, sendo comum aumentos exorbitantes concentrados nas últimas faixas. A Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98) trouxe uma única ressalva, qual seja, proibia tal reajuste aos consumidores com mais de 60 anos, desde que participassem do plano de saúde há mais de 10 anos.
A partir de 2004, com o Estatuto do Idoso, proibiu-se o reajuste por faixa etária para usuários a partir de 60 anos de idade. Dessa maneira, nos contratos assinados a partir de então, foram padronizadas 10 faixas etárias, mas foi mantido o aumento de 500% entre a primeira e a última faixa. Na prática o que houve foi a antecipação dos reajustes. Antes concentrados principalmente nas faixas de 50 a 59 anos e de 60 a 69, os reajustes passaram a pesar mais nas faixas dos 44 e 48 anos e na faixa de 59 anos ou mais[iii].
Por fim, o aumento por sinistralidade é imposto pela operadora sob alegação de que o número de procedimentos e atendimentos (ou “sinistros”) cobertos foi maior do que o previsto em determinado período.
Neste aspecto, de considerar-se que o judiciário tem também considerado abusivo o reajuste
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. ABUSIVIDADE. AUMENTO DA SINISTRALIDADE. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso, é abusivo o reajuste das mensalidades de plano de saúde coletivo, de acordo com o alegado aumento da sinistralidade, desprovido de amparo técnico atuarial” (TJ-MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 25/09/2013, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL)
Além desses três tipos de reajuste, a mensalidade do plano pode sofrer aumento caso a operadora seja autorizada a adotar um mecanismo chamado de “revisão técnica”, criado pela ANS para situações em que a empresa está com problemas financeiros. Mais que um reajuste, essa manobra pode ocasionar redução da rede credenciada, de coberturas e coparticipação dos usuários no pagamento de serviços utilizados; ou seja, a operadora pode mudar totalmente as regras do jogo, prática considerada ilegal por se tratar de alteração unilateral do que foi contratado.
As mensalidades dos contratos individuais são reajustadas à luz dos índices estabelecidos pela ANS, ao passo que os planos coletivos se sujeitam aos índices determinados pelas próprias operadoras de planos de saúde, conforme contratado, o que conduz à uma vigorosa discrepância entre as razões dos reajustes sofridos entre estas duas espécies.
Referidos reajustes das mensalidades de planos coletivos variam de operadora a operadora e, é certo, apresentam-se – quase sempre – até mesmo acima dos índices de inflação. Para que se possa promover uma comparação, indique-se os reajustes aplicados em 2017 por algumas operadoras em 2017[iv]:
AMIL |
19,49% |
BRADESCO SAÚDE S/A |
21,12% |
CLASSES LABORIOSAS |
25,21% |
MEDICAL HEALTH |
17,53% |
MEDIPLAN |
15,00% |
NOTRE DAME INTERMÉDICA SAÚDE S.A. |
17,45% |
OMINT |
15,76% |
PLANO HOSPITAL SAMARITANO LTDA. |
20,00% |
PORTO SEGURO SAÚDE |
17,47% |
PROMED |
21,00% |
PRONTOMED LTDA. |
19,56% |
SAMP |
18,24% |
SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE |
19,97% |
Enquanto se observam tais índices de correção, em 2017 a ANS determinou a razão de 13,55% para reajuste de planos individuais. Ao ensejo, conheça-se o histórico de reajustes para os planos individuais[v]:
2017 | 13,55% |
2016 | 13,57% |
2015 | 13,55% |
2014 | 9,65% |
2013 | 9,04% |
2012 | 7,93% |
2011 | 7,69% |
2010 | 6,73% |
2009 | 6,76% |
2008 | 5,48% |
2007 | 5,76% |
2006 | 8,89% |
2005 | 11,69% |
2004 | 11,75% |
2003 | 9,27% |
2002 | 7,69% |
2001 | 8,71% |
2000 | 5,42% |
Perceba-se a diferença entre os reajustes, o qual chega a significar uma diferença de 11,66% em relação à uma das operadoras de plano de saúde.
O que é pior em nossa opinião, a grande maioria das operadoras (se não todas) mantém obscuros os cálculos de reajuste, apenas informando a seus usuários por carta a razão do mesmo, o que fere o disposto no artigo 39, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: […] x – Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. […]
A jurisprudência reconhece esta questão:
PLANO DE SAÚDE COLETIVO. Ação que visa afastar cobrança do reajuste de sinistralidade. Relação sujeita ao CDC. Abusividade verificada no caso concreto. Hipótese em que a seguradora se limitou a informar aumento de 199% no valor do prêmio. Necessidade de comprovação do fato, não bastando mera afirmação da operadora. Reajuste da mensalidade de forma unilateral e que torna a obrigação excessivamente onerosa. Precedentes da jurisprudência. Ausência de impugnação quanto ao índice empregado. Sentença confirmada. Recurso desprovido (Apelação 0013576-11.2010. 8.26.0002, Rel. Des. Milton Carvalho, j. em 07/03/2013).
PLANO DE SAÚDE Contrato coletivo empresarial. Imposição de reajuste na mensalidade por aumento da sinistralidade. Inadmissibilidade. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Cláusula abusiva colocando o consumidor em desvantagem exagerada. Violação ao dever de informação. Permissibilidade apenas do reajuste legal determinado pela ANS para planos
individuais. Sentença mantida. Apelo improvido. (Apelação 0045131-43.20 09. 8.26.0564, Rel. Des. Luiz Ambra, j. em 06/03/2013).
Para corrigir esta discrepância e readequar as mensalidades de planos coletivos, o poder judiciário tem compreendido que não há que se pensar em se justificar o aumento abusivo sob a tese da legalidade do procedimento contratual, determinando a aplicação aos contratos coletivos dos índices previstos pela ANS para os contratos individuais.
Neste sentido, segue trecho do esclarecedor voto do Desembargador Caetano Lagrasta:
(…) não se deve perder de vista a aplicação dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor à hipótese. Assim, não é pelo fato das Resoluções da ANS não fixarem o índice de reajuste a ser seguido nos contratos coletivos de plano de saúde, que estes poderão estar sujeitos a toda sorte de aumento, mesmo porque sempre incidem os princípios da boa-fé objetiva e aqueles norteadores das relações de consumo, eis que os beneficiários do plano de saúde coletivo utilizam seus serviços como destinatários finais (art. 2º, Lei 8.078/90). Portanto, nada obstante as Resoluções da ANS que impuseram limites aos reajustes refiram-se a contratos individuais, nota-se que nada impede que tais índices sejam vistos como parâmetros também para os contratos coletivos, uma vez que estes somente são celebrados pelas Operadoras de Plano de Saúde por lhes proporcionarem vantagens, não parecendo razoável que, somente pelo fato de serem coletivos, se sujeitem a reajustes várias vezes superiores aos permitidos para os individuais, ainda mais quando não há índice expressamente previsto no contrato. (Rel. Dês. Caetano Lagrasta, Voto n. 25654 8ª Câmara de Direito Privado, apelação n. 0033245-47.2010.8.26.0003, São Paulo, 14 de dezembro de 2011).
Outrossim, respeitado o prazo prescricional de 3 anos, tem-se também admitido – não por unanimidade – que as operadoras sejam, inclusive, condenadas a devolver aos consumidores a importância resultante da diferença entre o índice aplicado e aqueles autorizados pela ANS para os contratos individuais.
Certo é, o consumidor não pode se submeter à abusividade dos planos de saúde coletivo, os quais majoram as mensalidades sem um critério suficientemente claro e objetivo, razão pela qual há de ser considerada a possibilidade de buscar-se guarida junto ao poder judiciário e pretender a revisão dos índices.
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) –– Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP/Jabaquara – Membro da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associado ao Instituto de Compliance do Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
[ii] No caso dos coletivos com até 30 vidas (grupos de até 30 usuários), há uma regra específica para o cálculo do reajuste anual, previstas na Resolução Normativa 309/2012 da ANS. Desde maio de 2013, as operadoras devem agrupar todos os contratos 30 vidas que possuem e calcular um percentual único de aumento.
[iii] No caso de plano familiar, o reajuste só pode ser aplicado sobre o valor pago pelo consumidor que sofreu a mudança de faixa etária.
[iv] http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude/reajustes-aplicados-pelas-operadoras-para-contratos-coletivos-com-ate-30-beneficiarios consultado em 15 de junho de 2018, às 8h50min.
[v] http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/270-historico -reajuste-variacao-custo-pessoa-fisica consultado em 15 de junho de 2018, às 9h00min.
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