Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho
Fernando Borges Vieira[i]
O contrato de trabalho pode ser expresso ou tácito. Expresso é o contrato – admitindo-se as modalidades escrita ou verbal – em que as partes, conscientemente, estabelecem o liame empregatício; tácito é o contrato que exsurge sem que as partes tenham declarado a intenção de contratar e ser contratado mas agem de forma consonante ao longo do tempo, de maneira que dessa relação passam a existir direitos e obrigações.
O contrato de trabalho pode ser estabelecido a prazo determinado e indeterminado, aquele restrito ao período máximo de dois anos e este sem a previsão quanto ao seu término.
Seja qual for a modalidade de contrato, o mesmo pode ser – basicamente – rescindido por ajuste entre as partes, iniciativa do empregado, por iniciativa do empregador ou por culpa deste. A rescisão por iniciativa – a qual passou a ser admitida após a reforma trabalhista – se dá por meio de ajuste entre empregado e empregador; a rescisão por iniciativa do empregado se dá por meio do pedido de demissão, à luz do qual o mesmo declara que não conserva mais o interesse na manutenção da relação de emprego; a rescisão por iniciativa do empregador pode ser imotivada (sem justa causa) ou motivada (com justa causa) e, por fim, poderá o empregado considerar rescindido o contrato de trabalho diante de falta grave perpetrada pelo empregador, modalidade conhecida como “rescisão indireta”.
Conforme artigo 483 consolidado, o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrário aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Nas palavras de A. F. Cesarino Júnior (in Direito social brasileiro, volume 2, p. 238), tem-se que uma das causas da despedida indireta pode ocorrer no fato de o empregador compelir o empregado a pedir demissão, afastando de si a responsabilidade pelo pagamento das verbas indenizatórias, e continua:
(…) a atitude do empregador que interessado em livrar-se de um empregado, máxime se estável, contra o qual nenhuma justa causa de despedida pode provar, procura por vários meios compeli-lo a pedir demissão ou abandonar o emprego, exonerando o empregador, consequentemente, do pagamento das indenizações relativas ao aviso prévio e à despedida injusta, que, em verdade, ocorreu.
A rescisão indireta do contrato de trabalho sintetiza-se, pois, na possibilidade do empregado se demitir do emprego, mesmo sem a concordância do empregador, quando este proceder de forma a não cumprir com suas obrigações contratuais, haja vista ser o contrato de trabalho bilateral e sinalagmático, gerando obrigações, direitos e deveres para as partes.
Em palavras outras, compreende-se a despedida indireta como o fato de criar o empregador situação tal que o empregado se vê forçado a romper o contrato de trabalho. Ocorre, diante da falta grave patronal, não poderia o empregado ser prejudicado, razão pela qual a legislação trabalhista garante ao mesmo a percepção de direitos trabalhistas são semelhantes à demissão sem justa causa, tais como o aviso prévio indenizado, as repercussões nas férias, o décimo terceiro salário, a indenização de 40% (quarenta por cento) sobre o FGTS e ainda liberação das guias relativas ao seguro-desemprego, podendo, ainda, o empregado sacar o valor do FGTS.
Uma questão que geralmente é o cerne de embates judiciais: pode ou não o empregado afastar-se de imediato ou deve aguardar final decisão judicial. Este questionamento é muito importante, pois se houver o ajuizamento de reclamatória por meio da qual pretenda o reconhecimento da rescisão indireta a situação do obreiro que permanece trabalhando será naturalmente muito delicada.
Nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais e redução do trabalho e diminuição da importância dos salários (alíneas d e g do artigo 483 da CLT), poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Cumpre ressaltar, jurisprudência tem entendido que não apenas nas hipóteses elencadas nas alíneas acima referidas terá o empregado faculdade de permanecer ou não no trabalho, devendo cada caso concreto ser analisado isoladamente.
Apenas por ilustração, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, à luz do qual o empregado pode optar pela permanência no emprego até a decisão final da reclamação trabalhista em que pleiteia a declaração do procedimento faltoso do empregador, cumulada com a condenação nas verbas indenizatórias ou pelo afastamento imediato – § 3º do art. 483 consolidado. Neste caso, salário e vantagens somente são devidos até a data em que haja se afastado voluntariamente dos serviços. Exsurge prevalente a natureza declaratória da sentença, cujos efeitos são ex tunc e não ex nunc, não se podendo confundir a hipótese com a disciplinada no art. 495 da CLT, em que o empregador suspende o empregado e não logra, no inquérito, comprovar a falta grave. (TST, RR 6.334/84, Marco Aurélio, Ac. 1ª T. 4.680/85, in: Consolidação das Leis do Trabalho (Valentin Carrion – 29.ª ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2004.)
Por derradeiro, registre-se que não é qualquer falta por parte do empregador que se afigura como justa causa patronal, devendo a mesma ser uma das tipificadas no seio do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho ou tão grave que justifique a continuidade na continuidade do contrato de trabalho.
Para Vólia Bomfim Cassar (in Direito do Trabalho. 11ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P. 1074), a caracterização da rescisão indireta pressupõe o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: gravidade de falta do empregador; imediatidade, atualidade ou contemporaneidade; nexo causal entre a falta e a resolução contratual e a inexistência de perdão tácito ou expresso. Gustavo Filipe Barbosa Garcia, por seu turno, acrescenta a esses requisitos a proporcionalidade e a tipicidade (in Manual de Direito do Trabalho. 7ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P. 378). Adicionalmente, Maurício Godinho Delgado (in Curso de Direito do Trabalho. 15ª edição. São Paulo: LTr, 2016. P. 1355) aponta, ainda, a autoria e o dolo ou culpa.
São, pois, requisitos para a rescisão indireta do contrato de trabalho:
- a) Gravidade da falta cometida pelo empregador: por óbvio, assim como nas hipóteses de justa causa do empregado, não é qualquer falta cometida pelo empregador que dará azo à rescisão indireta.
- b) Imediatidade: trata-se da pronta reação do empregado, quando verificada a falta grave cometida pelo empregador.
- c) Nexo de causalidade entre a falta e a resolução contratual: conforme anota Maurício Godinho Delgado (in Curso de Direito do Trabalho. 15ª edição. São Paulo: LTr, 2016. P. 1357) é a “efetiva vinculação entre a falta imputada ao empregador e o fundamento da rescisão indireta pretendida pelo obreiro”.
- d) Inexistência de perdão tácito ou expresso: o perdão obreiro pode ocorrer de duas maneiras: tácita ou expressamente. Vólia Bomfim Cassar considera perdão tácito aquele decorrente da falta de imediatidade na punição ao empregador (in Direito do Trabalho. 11ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. P. 1074). O perdão expresso, por seu turno, é aquele expressamente declarado, positivado, documentado.
- e) Autoria, tipicidade, proporcionalidade e dolo ou culpa: a autoria é considerada requisito subjetivo, sendo necessário, portanto, que a falta grave tenha sido cometida pelo empregador ou seus prepostos/chefes. A chamada tipicidade é justamente a subsunção da conduta empresarial nos tipos elencados no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho. A proporcionalidade também é critério a ser observado, devendo ser razoável e proporcional a rescisão indireta em face do ato faltoso cometido pelo empregador. A seu turno, solo ou culpa são os elementos subjetivos que impelem o empregador a agir de tal forma que se caracteriza a justa causa patronal.
Com efeito, há o empregador e o empregado de atentar a esta modalidade de rescisão de contrato de trabalho; o primeiro para que não pratique falta grave que conduza ao término do contrato com o dever de indenizar; o segundo para que permaneça atento à prática ou não de falta grave do empregador e observe o cabimento, a oportunidade e os requisitos para a caracterização da justa causa patronal.
Como reiteradamente afirmamos: é melhor prevenir a indenizar!
[i] Advogado desde 1997 – OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745 e OAB/RJ 213.221 – Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados e Owner e Legal Coach de Lawyers Coaching/Desenvolvimento de Performance e Competências Jurídicas – Especialista em Compliance (Insper) – Especialista em Compliance Anticorrupção (LEC) – Especialista em Liderança (FGV – GVlaw) – Especialista em Direito Processual Civil (CPPG/FMU) –– Certificado em Compliance Anticorrupção (LEC) – Personal, Professional e Leader Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC) – Professor de Pós-Graduação Direito Processual do Trabalho – Diretor do Núcleo de Direito Processual do Trabalho da OAB/SP/Jabaquara – Membro da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB/SP – Associado Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) – Associado à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – Associado à Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) – Associado à Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo (AATSP) – Associado ao Instituto Brasileiro de Compliance (IBC) – Associado ao Instituto de Compliance do Brasil (ICB) – Palestrante OAB/SP e Escola Paulista de Advocacia – Autor e coautor de obras e relevantes artigos jurídicos.
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